terça-feira, 30 de agosto de 2011

Escrever é preciso: Rinha

Escrever é preciso: Rinha: Andei meio impressionada nos últimos dias com algumas manifestações sobre o "evento" UFC ocorrido aqui no Rio no fim de semana. Amigos v...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Rinha



Andei meio impressionada nos últimos dias com algumas manifestações sobre o "evento" UFC ocorrido aqui no Rio no fim de semana. 
Amigos vibrando com a luta final me deixaram realmente incomodada e me pus a refletir sobre esse incômodo.
Gosto não se discute, se lamenta, eu poderia dizer e isso seria uma saída fácil para a questão. Não acho porém que seja, apenas, uma questão de gosto. De apreciar ou não determinada coisa.
Talvez seja um sinal dos tempos, do tempo violento e desprovido de humanidade em que vivemos.
Nunca fui uma esportista ou propriamente uma fã de esportes em geral. Ao contrário. Sempre fui completamente desajeitada para todo e qualquer esporte. A ponto de meus pais ficarem preocupados com a minha destreza quando comecei a aprender a dirigir - preocupação essa, diga-se, desnecessária, pois me tornei uma exímia motorista apesar de fugir da bola como de um meteoro caíndo do céu. 
Sempre gostei de alguns esportes mas nunca de forma apaixonada a menos que a experiência envolvesse a seleção brasileira e a palavra "final". É isso. Gosto de futebol na Copa do Mundo, Vôlei porque o Brasil arrebenta no masculino e no feminino e tenho uma prima campeã, basquete da NBA porque não há como não gostar daqueles caras. Fora isso, de quatro em quatro anos, Olimpíadas, é claro, e só. Ah, sempre gostei de cavalos, do animal e de andar neles mas nunca vi  nisso uma prática esportiva.
No início da adolecência achei alguma graça nos filmes Rocky, o lutador. Muito por causa de "Eye of the tiger" e, confesso, do Silvester Stallone. Ninguém é perfeito. Mas dentro do meu total e assumido desconhecimento esportivo consigo ver, ainda que com algumas ressalvas, graça no box.
Me choca, e o termo é esse mesmo, que uma luta como "vale-tudo" mova e comova pessoas e, pior, que as pessoas se refiram a essa prática como esporte. Como já disse não sou nenhuma expert no assunto mas me permito dizer que não dá para chamar isso de esporte. Uma luta aonde "vale tudo" e o legal é a "porrada" é, para mim, a antítese do esporte e do espírito que esse celebra.
Me lembra, sinceramente, de briga de galo, que é uma coisa horrorosa, da definição à prática. Colocar dois animais para se escalpelar até a morte. O vale tudo é muito diferente disso?
Basta ir até a wikipedia: 
O termo Rinha se refere ao ato de se confrontar diversos animais que são postos a brigar numa área delimitada, tais como as rinhas de galo e as rinhas de cães.

domingo, 21 de agosto de 2011

A Bá

Ela não chegou propriamente lá em casa. Foi levada pela minha mãe depois de uma árdua perseguição. Minha mãe, acho eu que num momento de iluminação, sacou que aquela moça que trabalhava para a vizinha da tia seria uma aliada fiel para toda a vida. Sem nenhum pudor iniciou um assédio que acabou por ser bem sucedido.

Depois disso a Bá ficou com a gente por 38 anos e, junto com meus pais, criou a mim e à minha irmã. Quando eu cheguei ela já estava lá me esperando. Gripada, não pôde chegar perto de mim logo de cara. Contrariada, esperou a gripe ir embora para me pegar no colo seguindo a determinação da minha mãe. Ali começava uma das relações mais fortes da minha vida.

A Bá vem me visitar de vez em quando. Fica feliz como uma avó em ver os meus filhos crescendo. Me faz recomendações sobre como lidar com eles. Já bem velhinha chega na minha casa e senta numa cadeira da sala com uma xícara de café. Às vezes aceita um pedaço de bolo. Conta sempre as mesmas histórias que adoramos ouvir. Nos lembra da nossa infância e da sua presença nela.

Ela cuidava de nós duas e da casa e tirava tudo de letra. A comida irreparável. O feijão regado a louro, as batatas fritas, que eram cozidas antes, tinham o formato perfeito de uma lua minguante e desmanchavam na boca. O frango assado com farofa, sempre às quartas-feiras no jantar, eu posso ver na minha frente. Vinha normalmente acompanhado de um molho especial do próprio frango, arroz branco soltinho e vagem francesa. A ambrosia faz parte das minhas muitas lembranças dela. Era servida num pote de cerâmica cujo interior era também amarelo e tinha uma aguinha doce no fundo.

A roupa era passada de modo impecável. As manchas todas removidas com facilidade. A casa sempre perfumada e limpa.

Mas acima de tudo isso o amor dedicado a mim e à minha irmã era algo tocante.

Não me lembro de ver ela brava com a gente. Muitas vezes ficava nervosa comigo e com a  minha irmã se estapiando pelo apartamento. Uma bateção de portas, perseguição munidas de facas, correria, choradeira. Ela não tinha dúvida. Ligava para a minha mãe e nos denunciava.

Na adolescência tomava satisfação dos namorados. E quando eles aprontavam viravam "pesona non grata" lá em casa.

Ela cresceu numa fazenda perto de Cataguases. Veio para o Rio mocinha para trabalhar na casa de uma senhora rica que a maltratava. Era obrigada a dormir em cima do estrado da cama. Sem direito a colchão.  Um dia, conversando com a minha mãe, disse o seguinte: "do meu pai eu só conheci o chapéu." O pai tinha deixado a mãe e sumido no mundo. Tinha muitos irmãos e irmãs e era muito querida por todos eles. Boa toda vida ajudava a todos com seu modesto salário. Gastava apenas com o cigarro, vício abandonado anos depois. Assim, economizou o suficiente para comprar sua casa onde hoje vive com um gato e uma tartaruga.

Perdeu a mãe, alguns irmãos, o único namorado - que morreu atropelado no aterro - e continuou com a gente, morando na nossa casa, ajudando a todos nós com a sua presença confortante e dedicação. Na nossa casa ela tinha quarto com banheiro reformado, colcha de patchwork cor de rosa e, acima de tudo, afeto e respeito.

Depois que tive os meus filhos e passei a observar esse exército de branco que tomou conta da cidade penso sempre na Bá e em como foi bom crescer num momento onde as babás não se vestiam de branco, eram parte da nossa família e nos davam amor de verdade.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Uma Crônica Portuguesa com certeza

Lembro que em algum momento cheguei a pensar sobre isso. Sobre como eu - que tinha me perdido de madrugada em Haia, levado um fora no inverno de Milão depois de um passeio de lambreta, tido a mala extraviada na África do Sul, chegado a Osaka numa noite chuvosa, desembarcado em Seul numa manhã inóspita de abril, ido a São Petersburgo três dias depois do 11 de setembro - podia não dominar uma simples ida a Portugal com duas crianças pequenas.

Nosso avião pousou em Lisboa às cinco da manhã. Hora local. Para nós eram três da madrugada. Primeira viagem internacional com os dois pequenos.

O mais velho dormia profundamente. A caçula precisava ser trocada, o que foi feito às pressas ainda no avião. Nós dois, zonzos de sono, carregávamos muito mais malas de mão do que efetivamente precisávamos.

Saimos do avião cada um com um filho, os dois cheios de malas, carrinhos e casacos pendurados. Felizes com a chegada e a proximidade dos amigos, caminhamos pelo aeroporto de Lisboa. O filho desmaiado no carrinho, a filha no canguru quietinha. Quase um milagre.

E eis que chegamos à fila da imigração. Olho à minha volta, procuro e não vejo a bolsa preta de couro, comprada para a viagem, onde havia guardado não apenas os quatro passaportes mas também algumas jóias e a metade do nosso dinheiro. Com o coração na boca olho pro meu marido e, gelada, me dou conta de que a bolsa havia ficado no avião.

Em poucos segundos reconstitui mentalmente o que tinha acontecido. Na correria para sair do avião pegamos tudo do nosso compartimento menos a minha bolsa, que não estava lá. Havia sido reacomodada pela aeromoça em outro compartimento minutos antes da aterrissagem.

Nos dirigimos a um balcao da companhia aérea e explicamos o que tinha acontecido. O português que nos atendia reagiu tranquilo nos dizendo com seu lindo sotaque que não havia problema. Deveríamos passar pelo controle de passaporte e, então, nos dirigirmos ao Achados e Perdidos.

Isso não vai ser possível. Os passaportes estão dentro da bolsa. O português nos olhou desorientado. Acionou alguém no rádio pedindo que fosse até o avião para recuperar a bolsa. Nessa altura, como que por encanto, dormiam os dois pequenos. Um no carrinho, outra no canguru.

Nosso amigo querido, que havia acordado de madrugada para nos buscar, devia estar lá fora sem entender por que motivo não aparecíamos. Pois é. O celular também estava na bolsa. Não dava para ligar e explicar a situação.

Enquanto o português se comunicava no rádio convenci meu marido que fizesse o caminho de volta e tentasse entrar no avião. O aeroporto de Lisboa não era grande, achei que valia a pena. E eu fiquei ali, naquele terminal, na manhã do dia 24 de dezembro com um filho dormindo no carrinho, outra no canguru, sem dinheiro, sem passaporte, sem saber o que fazer.

Olhei à minha volta e só então vi que o pequeno terminal estava cheio de pessoas aparentemente acampadas por ali. Os primeiros quinze minutos em que fiquei ali esperando a resposta do português e o resultado da expedição do marido foram suficientes para que eu  entendesse o que acontecia. Eles haviam vindo num vôo e perdido a conexão. Muitos não tinham visto e, por isso, não podiam sair dali para um hotel para esperar o vôo do dia seguinte.

Me dei conta de que caso a minha bolsa não fosse encontrada nós também não poderíamos sair dali e fiquei a imaginar com seria a nossa noite de natal.

O avião estava fechado. Fomos novamente ao balcão para saber como evoluíam as coisas. Muita gente na frente do balcao, brigas entre um grupo de africanos e a policia do aeroporto.

Depois de cerca de duas horas de uma espera torturante, as duas crianças milagrosamente dormindo, avistamos duas pessoas uniformizadas carregando a minha bolsa. Um policial e um funcionário do aeroporto. Nos dirigimos todos para o tal balcão. O policial me entregou a bolsa solenemente e me pediu que verificasse se estava tudo como eu deixei. Abri a bolsa com um certo receio e um pouco contrangida. Para minha surpresa estava tudo absolutamente intocado. Os quatro passaportes no compartimento lateral com zíper, todo o nosso dinheiro, minha modestas mas queridas jóias. Me pediram que eu assinasse um papel. Agradecemos muito e seguimos então para o controle de passaporte. Pegamos as malas já estacionadas ao lado da esteira e, finalmente, saímos ao encontro do nosso amigo que, mesmo depois de duas horas de espera, sorriu feliz ao nos avistar cruzando a porta automática.

As criancas acordaram logo depois. Seguimos de carro para Cascais. E ao avistar Lisboa surgindo no horizonte respirei aliviada, uma mão pousada em cada filho, me reassegurando de que estava tudo bem e de que a viagem seguiria em paz.

domingo, 7 de agosto de 2011

Gatos pardos

Gosto da casa à noite. Depois que as crianças dormem. Quando nada me alcança. Quando há um silêncio tranquilo que observo à meia-luz e vislumbro a cidade lá longe como que pintada na minha janela.  Há um certo aconchego que invade a casa. Tarde da noite. As crianças na cama, aquela entrega infantil ao sono que me comove todas as noites quando entro nos seus quartos. Há sempre uns grilos cantando na mata ao lado, um cachorro que late na casa da frente e outro que responde mais adiante. Às vezes, há gatas no cio.
Sigo um certo ritual depois que os dois adormecem. Cada um no seu quarto, as portas fechadas, a babá eletrônica ligada. Depois do banho quente esquento meu jantar, tomo um copo de vinho.
Vago pela casa observando seus recantos, aquele silêncio sagrado que me acompanha. Quase sempre adio a ida pra cama encontrando coisas para fazer que me impedem de chegar a ela. Não que eu não a deseje mas há sempre algo por fazer. Finalmente chego ao meu quarto. Depois de olhar as crianças mais uma vez pego um copo d'água filtrada. Deixo uma pequena luz acesa no corredor para servir de guia caso o mais velho acorde e venha até o meu quarto. Entro na minha cama pelo lado esquerdo. Começo a noite com dois travesseiros, o pescoço mais alto, de barriga para cima.  Leio um pouco. Menos do que gostaria. Apago o abajour e logo em seguida viro para o lado. O braço direito por baixo do travesseiro, as pernas dobradas, semi-encolhidas. Caio num sono profundo, de poucos sonhos, até que um dos dois me desperte ou que a luz vinda de trás do black-out me faça abrir os olhos.

sábado, 16 de abril de 2011

Petshop

Foi mais ou menos assim. Numa rua do Centro do Rio, no sede do sindicato. Era uma tarde de verão daquelas nubladas. O céu pesado. Ela foi assinar a rescisão do seu contrato de trabalho. Tinha sido desligada. Da parte dela um misto de alívio e desconforto.

Marcaram às duas da tarde. E lá estava ela com os documentos embaixo do braço aguardando a sua vez. Um prédio qualquer, uma sala mal ajambrada na sobreloja. Um balcão dividindo o espaço. Tudo à sua volta era marrom.

Do outro lado do balcão uma moça, um rapaz e a tal senhora.  Pelo que ela pôde perceber a moça estava questionando horas-extra, o representante da empresa não sabia o que dizer e a tal senhora tentava mediar a situação.

Acabaram se levantando, a moça e o rapaz. Passaram por ela e saíram rapidamente. Chegou então a sua vez e ela, acompanhada de uma representante da sua quase ex-empresa, sentou-se em frente a tal senhora que não levantou os olhos para cumprimentá-la. Era loira de olhos azuis. Blusa turquesa. Um jeitão meio bruto e despachado. Começou a pedir os documentos sem levantar os olhos conferindo as informações e os valores. Tinha uma calculadora cujas teclas apertava com força e rapidamente. As mãos eram bastante mal tratadas.

Até que olhou para ela e perguntou:

- Qual é a profissão da "dotôra"?
- Advogada, ela respondeu e pensou, mas afinal, essa senhora não está lendo os documentos?
- A senhora é casada?
- Sim.
- Tem filhos?
- Sim.
- Nooosssaaa. Que coisa. E o que é que a senhora vai fazer agora?
- Ainda não sei.
- Vai para a Europa! Torra tudo!
Ela sorriu, sem graça, sem saber o que responder.
A tal senhora não se deu por vencida.
- Então abre uma petshop! Dá um dinheiro danado!

Fade out.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Edith & Beth

A fotocópia do conto da Edith Wharton chegou ao meu escritório, dentro de um envelope pardo, com o seguinte texto escrito à caneta vermelha na capa:


"Clarisse - It was terrific to meet you over lunch last week. I tried to deliver this to your hotel, but you had already left. It would have been perfect plane reading. I hope it is not too late. Please send me news of a happy ending! All the best, Beth."

O conto em questão chama-se "The Long Run" e ao que tudo indica foi publicado nos Estados Unidos em 1912. Edith Wharton viveu de 1862 a 1937. Eu nasci em 1972. Não fosse isso e eu teria a certeza de que, com pequenas nuances, ela reproduz uma situação vivida por mim anos atrás.

A capacidade de retratar com perfeição situações na verdade universais, que muitos de nós vivemos e com as quais, portanto, nos identificamos, é, até onde eu posso perceber, uma das principais características dos grandes escritores. É, em outras palavras, a empatia, construída pelo autor, dos leitores com os personagens e as passagens narradas.

Por isso, não há nada de extraordinário em constatar a consagrada genialidade de Edith Wharton ao ler seu conto e de alguma forma me ver na sua personagem feminina.

Eu havia almoçado com três advogadas em Chicago quando estive lá a trabalho em 2002. Fui visitar o escritório onde elas trabalhavam e elas me levaram para almoçar. Sabe como é, quatro mulheres juntas. O papo rapidamente migrou do trabalho para a vida pessoal de cada uma. Acabei comentando que tinha reencontrado um grande amor depois de anos, contando toda a saga para elas. As três, um pouco mais velhas que eu, ficaram excitadíssimas, animadas mesmo com a história ou pelo menos com o meu relato, com a minha visão dela.

Beth tentou fazer com que o tal conto chegasse às minhas mãos antes da minha partida mas só fui recebê-lo algum tempo depois da minha volta ao Rio. Uma pena. Talvez eu pudesse ter sido persuadida a enxergar as coisas como elas de fato se apresentavam.

Quando finalmente comecei a ler já era tarde demais. Inicialmente fiquei meio sem entender o motivo pelo qual ela havia se empenhado tanto em fazer com que o conto chegasse às minhas mãos mas a medida em que fui avançando no texto fui tomada por um sentimento que era um misto de medo, nervosismo e emoção. Ao adivinhar o que viria a seguir, pois naquela altura eu já sabia o que ia acontecer, eu temia cada palavra com o coração disparado, como se o conto fosse a prova cabal do desfecho da minha história e confirmasse sua condenação ao fracasso.

Lembro que escrevi para a Beth agradecendo muito pelo texto antes mesmo de lê-lo mas tenho a impressão de que nunca escrevi para ela depois, contando o que tinha acontecido. Assim como na história de Halston Merrick e Paulina Trant o Happy Ending desejado pela Beth não aconteceu.

Arrumando algumas gavetas recentemente esbarrei com a cópia do conto e com o bilhete escrito em vermelho na sua capa. Lembrei desse episódio e mais uma vez me impressionei com a sensibilidade que fez com que a Beth, sem conhecer a mim ou ao personagem masculino da minha história, e em apenas algumas horas, fosse capaz de perceber meandros até então insuspeitos e relacioná-los com o conto de Edith Wharton.

Talvez eu devesse escrever para ela contando que houve um Happy Ending na minha vida. Logo depois desse episódio encontrei meu marido no meio de uma pista de dança e fui feliz para sempre.