quarta-feira, 23 de março de 2011

Em desvantagem


Num almoço recente de trabalho a primeira pergunta que me foi feita pelo meu interlocutor foi a seguinte: mas então, qual é a diferença de idade entre seus filhos? Atônita com a pergunta, que não tinha, a meu ver, qualquer relação com o objetivo do almoço, respondo reticente: dois anos e sete meses...ao que o meu interlocutor acrescenta: então quer dizer que nos últimos quatro anos você teve dois filhos e ficou um ano de férias? Não, respondo. Depois de dez anos trabalhando para uma mesma empresa eu tive os dois filhos que sempre quis ter e tirei as licenças-maternidade que me cabem de acordo com a lei brasileira. Ao que o meu interlocutor, invencível, retruca: sim, mas você há de convir que a sua produtividade para a empresa foi afetada.
Novo almoço, esse com amigas. Uma delas nos conta uma situação vivida por ela semanas atrás. Mas para ilustrar é preciso fornecer mais alguns elementos. Pensem na pessoa mais estudiosa que vocês conhecem. Pensaram? Pois bem, garanto que a minha amiga é essa pessoa multiplicada por dez. No mínimo. Basta dizer que na adolecência a mãe tinha que brigar com ela para que ela fosse à praia e parasse de estudar. Dito isso, continuo. Essa amiga se propôs a fazer um doutorado em um departamento de determinada universidade que é reconhecidamente um centro de excelência e que atrai alunos de todo o Brasil. Esse curso começa com um nivelamento dos alunos. Nesse momento, a amiga é chamada para uma conversa por um dos coordenadores. Eis que o seu interlocutor indaga se ela tem, efetivamente, o desejo de fazer o curso e se ela acha que vai conseguir concluí-lo. Ela responde que sim, claro que sim. E então ele solta a seguinte pérola: você sabia que na história do nosso curso nós nunca tivemos uma mãe de filhos pequenos como aluna? Nós costumamos ter alunos jovens e do sexo masculino. Pouquíssimas mulheres conseguiram ser aceitas e, quando aceitas, muito poucas conseguiram concluir o nosso curso, agora, mãe de dois filhos pequenos nunca houve. 
Recuperada do meu estado de choque venho pensando nesses dois episódios desde então.
Minha mãe sempre me disse: "minha filha, o mundo é dos homens." Acho que eu nunca entendi muito bem o que ela queria dizer. Até agora. Cresci numa casa com três mulheres e um homem. Na minha casa o mundo sempre foi das mulheres. Venho de uma família onde a maioria esmagadora é de mulheres. Tenho cinco tias e um tio, nove primas e dois primos. Na minha família o mundo sempre foi das mulheres. Mas mãe é fogo e ela tem razão. O mundo é dos homens. E nós não temos saída. Isso é algo inelutável. Estamos sempre, necessariamente, em desvantagem.
Quando jovens e solteiras, somos mães em potencial, um dia podemos ter filhos e isso constitui uma ameaça, quase a promessa de um crime futuro que nos tira pontos diante de oportunidades profissionais. Mais maduras, mães de um filho, continuamos sendo um problema, pois podemos reincidir e cometer um novo crime, o de ter um segundo filho. Tendo tido o segundo, tudo leva a crer que agora seremos vistas sob uma nova perspectiva. Já tivemos os filhos todos que queríamos e agora não representamos mais uma questão para o mercado de trabalho ou para o meio acadêmico. Mas não, agora, e por alguns anos seremos "mães de filhos pequenos" categoria criada pelo phd que intimidou a minha amiga e que se estivesse nos Estados Unidos já estaria sendo processado.


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