segunda-feira, 11 de abril de 2011

Descalabro

Na última quarta-feira estive na emergência da pediatria do Copa D'Or com a minha filha.
Me deparei com um cenário lamentável mas o que mais me deixou indignada não foi ter que submetê-la a essa burocracia kafkiana odiosa que parece infestar a nossa cultura mas saber, pelo meu pediatra, que no Rio de Janeiro não há outra alternativa.
O show de horrores começa na chegada ao Hospital. Não há estacionamento, informa um segurança. A senhora deixa o carro e ele é levado para "um lugar" que fica a quinze minutos daqui.
Em plena Figueiredo de Magalhães, com sorte imbica-se o carro no acostamento e, depois de tirar seu filho doente da cadeirinha e colocá-lo no colo, você é obrigado a andar até um guichê para, então, informar a placa do seu carro e receber um tíquete. Na volta, espera-se pelo carro na calçada.
Entra-se no Hospital. Pega-se uma senha. Sim, uma senha. Vem cá, isso é um hospital ou um banco? "Um hospital senhora, a senha serve 'apenas' para a triagem." Senha, triagem, será que estamos mesmo no lugar certo?
Entrega-se a senha às duas figuras uniformizadas atrás de um balcão. Tailleur azul-marinho impecável, coque, maquiagem. As duas começam a "preencher uma ficha" no computador com as informações constantes no meu documento de identidade e na carteirinha do plano de saúde da minha filha. Uma dita para a outra o que ela tem que fazer. "Aperta aqui, não, dá enter agora, isso, não, agora coloca o nome dos pais." Eu desisto de esperar em pé com a minha filha desmaiada de febre no colo e resolvo me sentar. Vinte minutos depois elas concluem a missão. Me devolvem meus documentos e me dão as costas. Estou apta a passar pela triagem. Já se desincumbiram de mim.
Ficamos ali largadas numa sala de espera com uma televisão ligada num desenho animado sem que ninguém, até aquele momento, meia-hora depois da nossa chegada, tivesse nos perguntado o que tinha a minha filha, o porquê de estarmos ali.
Mais de quarenta minutos depois uma enfermeira chama pelo nome da minha filha. Somos levadas a uma sala contígua onde damos de cara com os vestígios do atendimento anterior. Papéis amassados no chão, a cama de exame coberta por um papel toalha revirado. Sentamos. A enfermeira faz algumas perguntas. Faz anotações num papel. Coloca o termômetro e me informa que a minha filha não tem febre quando sinto que ela está quente e calculo que ela esteja com pelo menos 38.
Voltamos para a mesma sala de espera. E lá passamos mais algum tempo. A minha filha chora, resmunga, não encontra posição, está nitidamente mal, precisando de cuidados, a moça ao lado se comove mas continuamos ali, assistindo Peixonauta.
Somos então chamados por uma médica para uma outra sala. Sentamos. A médica me faz exatamente as mesmas perguntas feitas pela enfermeira só que de modo mais articulado. Pede que eu deite a minha filha na cama de exame e tire a roupinha dela. Faz um exame equivalente ao que um pediatra faria numa consulta e resolve colocar novamente o termômetro. Verifica que a minha filha está com 38,5 de febre. Me informa então que ela tomará um antitérmico, fará um hemograma, um raio x do tórax, que será examinada por um otorrino e que esse périplo levará cerca de uma hora e meia a partir daquele momento.
Seguimos para uma  mini-enfermaria. Começaremos pelo antitérmico. Aviso que a minha filha cospe  esse tipo de remédio. Chegam duas enfermeiras. Pedem que eu recline a minha filha. Colocam o remédio na sua boca com uma seringa. Noventa por cento é cuspido por ela. Pedem que eu arraste o remédio com a chupeta para dentro da boca e se dão por satisfeitas. Viram as costas e vão tratar da vida.
Retiramos o sangue ali mesmo. E vou pular essa parte para não reviver o sofrimento que é ter que imobilizar uma bebezinha de um ano, amararrar seu bracinho com uma faixa de borracha e enfiar uma agulha para tirar sangue. Isso para que os médicos possam fazer um diagnóstico que, em sua maioria, não são capazes de fazer com um simples exame clínico.
Uma enfermeira nos leva para outra sala de espera onde devemos aguardar que nos chamem pelo nome para o raio x. Mais meia-hora. Conversamos com os vizinhos de espera, descobrimos conhecidos, trocamos telefones. Fazemos o exame. Voltamos à tal sala de espera. Mais algum tempo. Aparece a médica que nos diz que devemos ir com ela à enfermaria.
Somos informadas de que os exames foram todos normais e que então, após falar com o meu pediatra, ela vai receitar um antibiótico. Aguardamos a receita. Esperamos pelo carro e seguimos para casa aliviadas. Aliviadas por ela não ter nada. Aliviadas por estar saindo dali.
A sensação que se tem, ao passar por essa, digamos, experiência, é a de que o que se pratica ali é, na verdade, um tratamento de choque para hipocondríacos. Como se nos dissessem: vamos ver se a sua filha está mesmo doente ou se isso não passa de coisa da sua cabeça, sua histérica. E para isso fazem tudo o que está ao alcance deles para que você desista de ser atendido e volte para casa.

Hospital é sempre uma coisa horrorosa. Pelo menos para mim. Tenho aversão. Fui maltratada nas duas vezes em que tive que me internar para ter meus filhos e contava os minutos para sair dali.
Será que só nos seriados americanos hospitais são lugares onde encontramos profissionais comprometidos com aquilo que fazem e, mais importante, lugares onde os pacientes são vistos como pessoas, seres-humanos que, basicamente, precisam de assistência?
Para não morrermos à míngua num hospital público somos obrigados a pagar uma fortuna por um bom plano de saúde e o que temos de volta é um escárnio. A saúde parece ser um negócio como qualquer outro e o que interessa é fazer dinheiro com ela, ou melhor, às custas dela. Não há nenhuma humanidade no tratamento recebido nesses locais. Somos mais um paciente a importunar os hospitais e seus funcionários.

A minha filhota não tinha nada grave e isso é o mais importante. Mas é difícil assimilar que em São Paulo o cenário é tão distante daquele que encontramos aqui. Quando questionado por mim a esse respeito o meu pediatra me disse o seguinte: "pois é, eu quero o Einstein com a praia." A praia não tem como chegar à capital paulista mas por que não temos um Einstein ou hospital do seu gabarito no Rio de Janeiro? Me deu ainda outro dado importante, o Copa D'Or não foi concebido e construído para ser um hospital mas o que houve foi uma adaptação do prédio que ali já existia. Pois é.

O Rio de Janeiro é a segunda maior cidade brasileira e possui apenas uma emergência pediátrica em hospital particular. E aí?

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