Ela acordava bem cedo para pegar o frescão das oito. Se arrumava com prazer. Gostava de se aprontar para ir trabalhar. Saía sem tomar café, economizando o tempo que ganharia ao comprar alguma coisa para viagem numa das lanchonetes perto do escritório.
Numa dessas manhãs, quando tudo em sua vida ainda estava por acontecer, passou por uma daquelas lanchonetes para pegar um café da manhã para viagem que comeria em sua sala, em cima da mesa, já com o computador ligado, organizando as tarefas daquele dia, apesar da proibição, de acordo com uma das inúmeras regras da empresa, de se comer dentro das salas, mais especificamente em cima das mesas de trabalho, "para não sujar as pastas."
Pediu o de sempre, um pão na chapa e um café. E estava ela ali, em plena Visconde de Inhaúma, antes das nove da manhã, bem vestida, perfumada, arrumada, enfim, a contemplar aquele cenário não muito convidativo daquela lanchonete na beira da avenida, com gente gritando atrás do balcão, alguns clientes sonados ao seu lado, um cheiro não muito bom que vinha não se sabe se da rua ou de dentro da lanchonete.
Como de hábito começou a observar as pessoas a sua volta e a gerente da lanchonete chamou a sua atenção. Sulamita. Loira platinum pintada, cabelos longos maltratados, unhas enormes - daquelas que se curvam no final - pintadas de esmalte escuro, muitas, mas muitas, bijuterias penduradas, blusa de lycra turquesa, peitos maiores que o sutiã, olhos muito pintados e uma voz de soprano desvirtuada difícil de esquecer. Comandava os rapazes atrás do balcão com gritos torcidos ao final: ô Aíltoooon, cadê o cheessalada?! Sai pão na chapa e acerola com laranjaaaaa!! Eu pedi um eggburger com maracujá, cadê Marcelinhoooo?!
Ela esperava um pouco retraída, meio sem querer encostar em nada, com medo de que alguém encostasse nela. E tinha a sensação de que as pessoas em volta se perguntavam o que ela estava fazendo ali. Ela também não sabia. Já cansada de esperar, preocupada em chegar cedo, ela resolve abordar a Sulamita. Meio com medo da reação, pergunta polidamente: por favor, eu pedi um pão na chapa e um expresso. A senhora poderia verificar se já está saindo? Ô Aíltooon, cadê o lanche da moça aqui no balcão?
A resposta do Aílton foi sufocada pelo barulho do liquidificador batendo alguma coisa. Só Sulamita escutou. Ele deve ter feito alguma gracinha ao que ela respondeu, indignada: Aíltooon, toma tendência! Toma tendência, repetiu.
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