quarta-feira, 6 de abril de 2011

Do I look like Casper?

Rita Khoury é uma dessas pessoas que passam pela nossa vida e ficam gravadas na memória. Nos conhecemos há alguns anos atrás em Boston quando eu e seu marido, meu amigo Gaby Khoury, participávamos de uma conferência.

Rita nasceu em Bagdá e emigrou para Detroit, nos Estados Unidos, ainda criança com os pais e a irmã. Gaby nasceu no Líbano e deixou seu país durante a Guerra do Líbano em 1982, já adolecente, emigrando para Otawa, no Canadá.

Eles se encontraram em Chicago, no fim de Setembro de 2002. Gaby participava de outra conferência junto comigo. Rita passeava com umas amigas.

Depois do jantar de gala que encerrava a conferência fomos com um grupo a um bar animadíssimo chamado Jilly's. Os homens de smoking e as mulheres de longo chamavam a atenção num ambiente super descontraído. Corredores intransitáveis, repletos, impossível circular ou manter uma conversa. Pedidos ao barman só por mímica.  Eu saí mais cedo do que a maioria. Peguei um táxi e me bati para o hotel com minha saia preta de veludo até o pé. Depois vim a saber que o romance começou naquela noite.

Gaby é engenheiro eletrônico e Rita trabalhava no estande da Channel de uma loja de departamentos em Detroit.

Rita e eu nos demos bem desde o momento em que fomos apresentadas pelo Gaby. Uma dessas amizades súbitas e esporádicas mas genuínas. Sempre morri de rir com ela. Autêntica, espontânea e bem humorada, ela me conquistou de cara.

Três passagens são suficientes para falarmos de Rita.

Estávamos eu, Rita e Gaby numa recepção em Boston quando uma moça mega produzida vem andando na nossa direção e praticamente se joga nos braços do Gaby: "Hello stranger! How are you?  I miss you!!" e continua andando com uma amiga sem se dirigir a mim ou à Rita que, naquele momento, éramos as duas únicas pessoas ao lado do Gaby. Ela permaneceu impassível por alguns segundos passados os quais virou-se para mim, sem mudar a expressão do seu rosto um milímetro sequer, e indagou: "Do I look like Casper?"

Eu devo ter levado alguns minutos até processar a piada. Cansaço, vinho, outro idioma.  Quando então morri de rir ao compreender que ela me perguntava se se parecia com o fantasminha Gasparzinho já que a moça atirada não tinha, aparentemente, nos enxergado.

No ano seguinte nos reencontramos em Phoenix. Eu e Gaby participando da conferência, ela acompanhando o marido. Numa noite, achando tudo muito chato a nossa volta, começamos a conversar sobre maquiagem. Ela então muito séria e profissional me pergunta quais eram as marcas de cosméticos que eu gostava. Ao me ouvir dizer que eu gostava de Clinique ela vira-se para mim quase com pena, me aconselhando como faria uma avó ou uma tia: "this is too basic for you" vaticinou e me recomendou um rímel Yves Saint Laurent no qual me viciei desde então pois, como me disse, ele realmente muda a vida de uma mulher.

Numa das nossas muitas conversas falamos das nossas famílias, das nossas cidades, dos nossos países, dos hábitos e costumes de cada uma. Em determinado momento eu perguntei com a maior naturalidade se ela tinha família em Bagdá e se os visitava de vez em quando. Nunca me esqueci da sua resposta: "no, it is a war zone" me disse ela muito tranquila.

Isso foi em 2005 e essa frase permance comigo. Fiquei pensando naquele casal, ambos fugidos de guerra, imigrantes no Estados Unidos, construíndo uma vida juntos. Ela impossibilitada de voltar ao seu país.

Nos vimos pela última vez em 2008, novamente em Chicago numa recepção dentro do Museu de Ciência. Gaby e Rita já tinham Nadine que naquela altura devia ter quase dois anos. Eu estava com o Lucas que pôde então conhecê-los. Lembro que a Nadine dormia num carrinho toda arrumadinha e que usava uma meia-calça lilás de algodão combinando com o vestido.

Hoje eles moram em Seattle e tem duas filhas: Nadine e Clarisse.

É bom saber que a gente também passa pela vida das pessoas e, de alguma forma, fica na memória.

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